Toque de Midas...

Muita gente ganhou com o tardio trambolhão de Bruno Lage. Os talibans da internet, que finalmente viram a sua visão do apocalipse fundamentada. Ganham os ódios de estimação de Vieira e os papagaios, por ele escorraçados do Benfica, que pacientemente esperaram todos estes anos para se vingar. Ganha a MDCSDQT com a perspectiva de dezenas de horas de debates televisivos - uma mina de ouro que explorarão até ao limite - e semanas a fio de parangonas nos jornais. O clube das putas que vencerá tranquilamente um campeonato que, por medo, ainda tentou boicotar...Ganham os árbitros, postos em sossego até à Taça de Portugal...Ganham os sapos que já se sentem campeões a cinco jornadas do fim! E saem vencedores todos os que avisaram que isto, do Apocalipse, ia acabar por acontecer.

Perde Vieira - único culpado de (pelo menos) no final do jogo de Portimão não tomar as medidas que se impunham, quando ainda poderia salvar alguma coisa. E perde o Benfica, o único que verdadeiramente me interessa, enxovalhado pelos benfiquistas que nunca perceberão a diferença entre a estrada da beira e a beira da estrada. Centenas de paginas serão escritas. Toneladas de horas televisivas encherão a pança a muita gente sedenta de sangue e dezenas de pistoleiros especializados terão largos momento de fama. E o melhor, os lesados do dez (lembram-se do Benfica-Nacional da época passada?) terão finalmente encontrado a sua paz. O tão desejado equilíbrio aí está.

Lage também sai vencedor. Como não se cansou de repetir, nunca pensou estar ali, e não demorará muito até ser considerado um herói. Jogadores que bateram todos os recordes da liga já estão abaixo dos do Nacional da Madeira, e as tácticas, estratégias de jogo e substituições milagrosas foi tudo por culpa do Vieira. Será alvo de grandes ecómios da matilha anti-Benfica, e, se possível, CNID e SJ, fariam uma já hoje uma adenda aos comunicados da semana passada a explicar a sua faceta de madre Teresa de Calcutá esquecida. Era o mínimo, depois depois do baixar de calças aos jornalistas, da língua na boca e dos abraços enviados ao boneco...e dos 2-0 do Marítimo!

Vou dizer aqui o que penso. Vieira deixou-se enredar pela própria teia. A luz que o iluminou (anunciada na contratação de Bruno Lage) foi a impossibilidade - pouco importam os motivos - de trazer de imediato Jorge Jesus para o Benfica. Preso pelo campeonato ganho muito acima de todas as expectativas - sobretudo das dele - viu-se obrigado a manter Lage em funções. Cavalgando a onda de vitórias que parecia imparável, o presidente do Benfica presumiu ter descoberto uma mina. O Seixal, agora, também produzia Mourinhos! Se o bom é inimigo do óptimo, Vieira convenceu-se que possuía o toque de Midas. Não o tem como se comprovou ao não compreender em bom tempo que o bom tempo de Lage acabara. Os meus amigos chegados, de um grupo restrito com quem discuto futebol e o Benfica, sabem o que eu digo desde que empatamos em casa com o Moreirense. Aquilo era demasiado mau para ser verdade e nunca poderia dar certo. 

Se eu, que não percebo nada de futebol, consegui entender o que se passava, como é que o presidente (ninguém lá de dentro o alertou?) insistiu neste martírio até tão tarde é algo que eu nunca vou conseguir compreender. O que me conforma e que, de alguma maneira, me dá fundamentadas esperanças num futuro melhor, é que eu nunca estive de acordo com ele nas contratações e saídas dos treinadores! E se é verdade que Vieira foi o único culpado em manter Lage em funções, depois das exibições miseráveis (indignas de um clube grande como o Benfica) nos últimos meses, também é verdade que foi ele a contratar alguns dos mais vitoriados treinadores do Benfica.

Foi ele o único culpado em contratar os últimos treinadores campeões nacionais, que por mim nunca chegariam a entrar no Benfica. Se há algo que "temos em comum" é o nosso desacordo visceral sobre a entrada e saída de treinadores. Por mim, Jorge Jesus - com aquele estilo arruaceiro e o feitio de merda que Deus lhe deu - jamais entraria no Benfica. Contudo, após meia dúzia de jogos do Benfica - há decadas que eu não via tão bom futebol nos relvados nacionais - acabei como um dos seus maiores admiradores e um dos seus maiores defensores. E no dia em que foi anunciada a sua saída achei que Vieira acabara de cometer o maior erro da sua vida...

De Rui Vitória nunca apreciei o seu feitio sonso e de falso moralismo - aquela tirada do ''chouriço'' de Cardozo quando estava em Guimarães e o Paços de Ferreira-Benfica, onde fez declarações lamentáveis ainda hoje me tiram do sério - e ainda menos as qualidade do futebol das suas equipas, tão amorfas como ele. Por mim, com Jesus nos sapos, eu achava que era a pior solução para treinador do Benfica. Dois campeonatos nacionais de enfiada e o Tetra inédito na história do Benfica mostraram-me o quanto eu estava enganado. Saiu contra a minha vontade - nunca uma chicotada psicológica tinha dado resultado no Benfica - e chegou o Bruno Lage de recurso...

Curiosamente (divorcio de Rui Vitória consumado) Bruno Lage foi a única contratação que eu concordei e o único - dos últimos campeões nacionais ajustados por Vieira - a quem eu há muito desejava ver pelas costas! Que o presidente tenha, não uma luz mais ou menos fundida, mas o saudável vicio de me contrariar outra vez. De contratar um treinador que não me caia no goto mas que me traga alegrias.