Adepto básico vs especialistas da especialidade.

Desde que, menino e moço, comecei a ir à bola pela mão do meu pai, tenho a certeza que toda a gente sabe tudo de futebol menos os treinadores de futebol. A tasca da esquina era o epicentro dos cientistas da chincha e desde as imediações do engraxador de rua (os mais velhos recordar-se-ão bem deles) à barbearia - locais de culto onde por vezes se reuniam os melhores especialistas da especialidade da altura - tudo se resumia em calar as vozes dos poucos que não exigiam uma mudança de treinador a cada empate e de plantel sempre que o clube não ganhasse. Numa coisa estavam todos de acordo. Éramos, e como éramos, sempre 'roubadinhos' pelos árbitros. E assim, desde cedo, comecei a questionar-me sobre a complexidade da coisa. Se os árbitros eram todos uns ladrões custava-me a entender que a culpa fosse sempre imputada aos treinadores. O meu pai, sempre ponderado, explicava-me que bastava uma vitória para andarem com o treinador às costas. E foi aí que comecei a entender os pressupostos básicos dos presidentes, dos adeptos, do futebol e dos árbitros. 

Os presidentes, se não tiverem tachos que cheguem para todos, ontem como hoje só servem para despedir treinadores atrás de treinadores. A bola que bate na trave decide quem são os melhores e quem não vale um caracol. Se bate na barra e vai para fora o presidente e o treinador são umas bestas. Se entrar, até nem são assim tão maus. Os árbitros, que em última análise decidem a maioria dos jogos, tinham um papel preponderante, tiveram um papel determinante antes das novas tecnologias e agora - com a chegada (eu ia a dizer cagada) do VAR aberto (quanto mais gente a mexer na merda mais mal ela cheira) - são absolutamente decisórios e condenatórios. Nunca como agora um frame a mais ou a menos ou um penalti bem ou mal assinalado decidiram tantos jogos, troféus e campeonatos! E anda tudo à volta disto, da bola que bate na barra e vai para fora e dos árbitros que decidem a maioria dos jogos.

Com a chegada das redes sociais (tascas, imediações do engraxador e barbearias do antigamente) e a produção em massa dos cientistas, paineleiros, catedráticos e demais especialistas da especialidade, o achologismo e o tudologismo tomou de assalto o SL Benfica. Ai do treinador que não cair nas boas graças da superior capacidade de análise do achologista ou que ignore a força da ciência tudológica. Tudólogos e achologistas amontoam-se em 3 grupos mais ou menos heterogéneos. Os que acham que sabem tudo. Os que tudo sabem e acham que... E os que, achando que tudo sabem, acham que sabem tudo o que só alguns sabem. Em 3 coisas estão sempre de acordo. Calar as vozes dos poucos que não exigem uma mudança de treinador a cada empate e de plantel sempre que o Benfica não ganhe, o "roubadinhos" pelos árbitros passou a «joguem mas é à bola, caralho»; CMTV e CNN são sublimes inspirações para todos. 

Seguindo as pisadas do meu pai eu sou o que se pode chamar um adepto básico. De finanças sou um nabo e de gestão um perfeito ignorante. Não tirei curso de treinador, não joguei futebol federado, não percebo de medicina desportiva e de massagens nem falar. Nada pesco de lesionados e das suas intricadas recuperações, o corte da relva parece-me sempre igual, o complicado processo de crescimento dos jogadores diz-me zero e custa-me a acreditar que, na SAD e no Seixal, só se contratam lagartos ou gente que só nos quer mal. O meu 11 inicial é sempre o 11 do treinador. Primeiro porque não me custa a admitir que, se a profissão dele é essa, deve saber um bocadinho mais do que eu do seu métier. Depois, porque eu não assisto aos treinos, não conheço a estratégia (os caminhos para a vitória podem ser todos e nenhum) definida para o jogo nem tenho qualquer conhecimento da forma física e psicológica dos jogadores.

O meu grau de (in)satisfação medra na exacta media das minhas expectativas. Esperando sempre uma vitória do Benfica aceito sem rebuço (e o que me custa não ganhar!) que nem sempre é possível fazê-lo. Durmo mal uma ou duas noites e passo à frente. E como vejo outros campeonatos e sigo outras grandes equipas do mundo sei que há três resultados possíveis e que os campeões não são os que ganham sempre. São os que erram menos (o futebol ainda é um jogo de erros) e os que melhor lidam com as expectativas furadas. A mim, que sou um básico, desde menino e moço que pedir a cabeça do treinador ao primeiro empate não me parece uma medida acertada.  

Umas vezes por isto outras por aquilo, a trave que devolve a bola para o relvado, uma lesão que ninguém espera, um árbitro pasteleiro avençado, a superior qualidade do adversário...nunca é uma surpresa para mim quando do outro lado está alguém que nos quer muito ganhar. Torna-se pacifico ver a outra equipa ultrapassar a linha do meio campo e se tiver uma ou outra oportunidade de golo, vejam lá, parece-me perfeitamente razoável. Não exigir a Di Maria que corra como se tivesse 20 anos ajuda-me a não dizer bacoradas. Não espero de João Mário o que nunca fez na sua carreira e dos avançados nunca consegui medi-los pelos golos que falharam. Méritos do que dão à equipa à parte (e aí quem o determina é sempre o treinador) meço-os sempre pela qualidade e pelo numero de golos que marcam. 

Nunca digo nós ganhamos, eles perderam e não exijo do Benfica uma comunicação arruaceira como a do clube da fruta ou de calimero como a da saparia. Não sou melhor nem pior, sou o que sou. Internem-me quando os meus comentários sobre a vida do Benfica forem copy paste do que se ouve na CMTV e na CNN da boca de Otávio Machado, Rodolfo Reis, Sofia Oliveira, Nuno Farinha & comp.